domingo, 31 de agosto de 2008

Moscatel de Setúbal 1998


Moscatel de Setúbal 1998
Setúbal DOC
Bacalhoa Vinhos (Vila Nogueira de Azeitão, Setúbal)
13,50€ Jumbo
17,5/20

A tradição portuguesa em matéria de vinhos fortificados é grande e de longa data.
Apesar dos produtores ingleses durienses reclamarem a autoria do vinho do Porto, pela adição de brandy ao vinho do Douro destinado à exportação (para ajudar à sua conservação) durante o séc. XVII, a verdade é que a adição de aguardente ao vinho era já uma prática antiga em Portugal, sendo frequentemente utilizada durante a época dos descobrimentos como forma de garantir a conservação do vinho, durante as longas viagens marítimas intercontinentais. São aliás famosos os moscatéis de “torna-viagem” (recentemente redescobertos pela firma José Maria da Fonseca), que eram colocados em barricas de madeira nos navios de partida, e levados a correr mundo nos seus porões, forma de acelerar o seu envelhecimento. No regresso eram vendidos a peso de oiro, como verdadeiro néctar dos Deuses.
Tais tradições são reveladoras da antiguidade do processo de fortificar o vinho em terras lusitanas e explicam a profusão de vinhos fortificados que sempre por cá existiu.
O que torna o vinho fortificado é o facto da sua fermentação não ser completa, sendo parada numa fase inicial (dois ou três dias depois do início), através da adição de uma aguardente vínica neutra (com cerca de 77º de álcool). Assim o vinho fica naturalmente doce (visto o açúcar natural das uvas não se transformar completamente em álcool) e mais forte do que os restantes vinhos (entre 18 e 22º de álcool).
Além do celebérrimo Vinho do Porto, exportado em grandes quantidades desde o séc. XVII por comerciantes ingleses radicados nas cidades do Porto e de Vila Nova de Gaia, outros vinhos fortificados atingiram fama em Portugal e no estrangeiro. Caso flagrante é o vinho da Madeira, cuja produção remonta quase à descoberta da ilha em 1419. Foi com um Madeira, bebida preferida de Thomas Jefferson, que os americanos brindaram à sua independência em 4 de Julho de 1776 e foi também por um Madeira e uma perna de frango que Falstaff vendeu a sua alma, em Henrique IV de William Shakespeare.
O vinho dos Biscoitos, na ilha Terceira do arquipélago dos Açores, é outro exemplo antigo de vinho fortificado. Elaborado a partir da casta verdelho, criada nas pedras vulcânicas daquele arquipélago atlante, ganhou fama e proveito até que a filoxera quase acabou com ele nos anos de 1870, quando era presença obrigatória na mesa de reis e czares. Desde então tem sido progressiva, mas timidamente, redescoberto, ainda longe porém da fama e importância económica de outrora.
Exemplo típico e antigo é também o vinho de Carcavelos, produzido nas terras arenosas da foz do Tejo, bem perto da cidade de Lisboa. Hoje está reduzido a uma mera curiosidade histórica, produzido em quantidades ridículas e vendido principescamente. O próprio Marquês de Pombal produzia-o nas terras do seu palácio e quinta de Oeiras e era de tal modo apreciado que integrou uma oferta de el rei D. José I à corte de Pequim, em 1752.
Não há adega cooperativa deste país que não produza um “vinho abafado”, designação com que o povo premeia os vinhos fortificados, de preferência com aquela aguardente típica de cada região, tão apreciada pelos autóctones.
Serve esta introdução para vos trazer mais um vinho fortificado português de enorme e antiga tradição: o Moscatel de Setúbal. No caso o moscatel produzido pela Bacalhôa Vinhos, empresa de Vila Nogueira de Azeitão com as suas vinhas estrategicamente localizadas nas encostas da Serra da Arrábida. Esta empresa, que já foi João Pires & Filhos e passou, nos autos 80 e sob a batuta de António Francisco Avillez a evidenciar-se no mercado com vinhos como o JP, Quinta da Bacalhoa, Má Partilha ou Cova da Ursa pertence hoje ao império de Joe Berardo, que tratou de modernizar as vinhas e adegas e ampliar largamente a área de plantio, que atinge presentemente os 500 hectares.
Este vinho, exclusivamente elaborado a partir da nobre casta moscatel de Setúbal, colhida em 1998 e produzida na vinha da Serra da Ursa (então com 18 anos de idade), foi brevemente fermentado em contacto pelicular, sendo a fermentação interrompida pela adição de aguardente vínica. Após a maceração foi transfegado e as suas massas prensadas. Seguiram-se oito anos de estágio em barricas de carvalho de 200 litros, importadas da Escócia e previamente usadas no envelhecimento de whisky de malte, numa estufa com grandes amplitudes térmicas (processo que visa simular os velhos “torna-viagem” supra referidos). Foi finalmente engarrafado, já este ano, originando apenas 35.000 garrafas.
De cor âmbar, límpida e brilhante, muito bela, é um vinho que conquista a vista antes de apelar aos restantes sentidos. O nariz é nobre e envolvente, com notas de citrinos, casca de laranja cristalizada, bolo-rei (ou bolo inglês, se preferirem) num conjunto muito aromático e nada impositivo, onde o álcool mal denota. Só após agitar surgem, sem exageros, os 18 graus de volume alcoólico se bem que acompanhados de uma frescura citrina e vegetal, quase surpreendente. Na boca é pura souplesse… Delicioso, com notas de tangerina e mel, envoltas numa suavidade cremosa, leve e apelativa. Perdura na boca, interminável, com enorme classe.
Um magnífico moscatel, vendido nas grandes superfícies a pouco mais de 13,00€. Experimente-o com uma tablete de chocolate suíço, para um requintado e original desfrute.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Drink (Port) Pink


Croft Pink
Porto
Cerca de 9,5€ Jumbo
14/20

Este Croft Pink é, antes de mais, uma ousada jogada de marketing, que visa penetrar segmentos de mercado, até agora, pouco permeáveis ao vinho em geral e ao Porto em particular. Na verdade, provavelmente por razões que a própria razão desconhece, a maioria dos mais jovens (refiro-me aos menores de 30 anos de idade, para não ferir susceptibilidades) prefere beber cerveja nas suas saídas nocturnas e, quando ocasionalmente se aventura por uma long drink, prefere um Licor Beirão “on the rocks”, um vermute ou então um whisky (preferencialmente um JB ou um Cutty Sark novos, para não magoar muito a carteira…).
Um vinho do Porto?! Isso é bebida de senhoras idosas, servida geralmente pelas avozinhas bem intencionadas às visitas, quase sempre acompanhada por um sortido de bolachinhas Cuétara, comprado na mercearia da esquina.
Convenhamos que esta imagem não agrada muito aos produtores de vinho do Porto! É verdade que também se associa o Porto à aristocracia (sobretudo anglo-saxónica) mas isso são prazeres requintados e exclusivistas, distantes das bolsas dos comuns mortais! Será?
Um whisky escocês corrente custa mais de 10,00€ na maioria dos supermercados, valor suficiente para adquirir um Porto de razoável qualidade. Mas se olharmos para o preço de scotch de 12 anos ou mais, então poucos Porto ficarão fora do orçamento, mesmo de categorias superiores como o Vintage ou LBV.
Portanto, não é pelo preço que o Porto não pega em Portugal! Então deve ser pela imagem… Vamos pegar num Porto Ruby, aligeirar-lhe a cor (que fica de um rosa choque, sedutor e apelativo) e mandar servi-lo com gelo, nas noites quentes do Algarve (já havia o Portonic para as noites da Ribeira).
A bebida fica alegre, ousada, feminina… Bem longe da austeridade tradicional de um bom Vintage. Longe também da complexidade sedutora de um LBV. Longe ainda da enorme beleza e profundidade de velho Tawny. Fica apenas um Ruby, mais doce e cor-de-rosa, com sabor a groselha e que precisa de muito gelo para disfarçar a doçura…
Convenhamos que, para um Porto, é muito pouco…
Resta saber se será suficiente para convencer os putos a largarem o Licor Beirão (que custa menos de 5,00€ a garrafa) e a agarrarem-se a esta pantera cor-de-rosa da Croft (que custa quase dez…)!
Eu vou seguramente continuar a beber os meus Vintage e LBV.